STYLE WARS (USA,1983, 69 min), um filme de Tony Silver.
Sagaz, inventivo e audaz, este é um documentário crucial para a compreensão das novas vertentes da arte urbana nascidas na Nova York do início dos anos 1980, quando desponta com força o movimento Hip Hop e seus 4 elementos (o MC, o DJ, o breakdance e o graffiti).
A obra de Tony Silver é um vívido retrato histórico de uma subcultura em ascensão, que se choca contra as forças caretas da sociedade, em um cenário cultural conflitivo que não deixa de evocar o The Clash ocorrido nos anos 1970 entre as primeiras bandas punk e o status quo estabelecido. Ao som de clássicos do rap nos anos 1980, como Grandmaster Flash e sua “The Message”, o doc põe o espectador no olho do furacão de uma interessante batalha cultural.
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Manifestação artística subversiva e proibida que tomou conta dos metrôs de Nova York, o graffiti tem suas origens resgatadas pelo filme, em que são entrevistados vários artistas, mas também seus familiares, além de policiais, trabalhadores do transporte público, transeuntes pelo metrô.
O filme recupera as “guerras do estilo”, as polêmicas acirradas sobre estética, que sempre envolveram esta prática cultural: se, por um lado, o agente das forças de repressão do Estado é capaz de chamar aquilo de “praga”, “crime” ou coisa pior, recomendando pena de prisão para os infratores, por outro lado os grafiteiros defendem esta forma de arte como algo que lhes dá sentido e brilho à existência.
Para o grafiteiro, esta forma de arte é uma prática que constitui marca identitária de forte apelo emocional e que o coliga com outros grafiteiros, servindo como argamassa social, constituinte de laços com um sub-coletivo (donde o termo recorrente no filme: sub-cultura). Nascido dos guetos, praticado por muitos afroamericanos e latinos (mas não exclusivamente), o grafite é uma maneira de auto-afirmação e coligação com o grupo, modo de deixar sua marca na cidade e batalhar contra a invisibilidade a que são condenadas as classes despossuídas e supostamente condenadas à condição de subalternos.
Para os grafiteiros, ainda que burlando as leis para invadir na madruga as estações de trem, aquilo jamais se tratou de mero vandalismo, mas sim de afirmação de um estilo de vida alternativo, arriscado mas por isso excitante. Um estilo de vida que tem na expressão artística e na intervenção no espaço urbano os seus epicentros de valor e de sentido.
Assistindo ao doc, embarcamos numa lisérgica viagem sobre os trilhos da memória, rumo aos primórdios do hip hop estadunidense, e rememoramos a época em que começaram a correr incontáveis vagões de trem pintados de múltiplas maneiras e circulando loucamente pelas veias da megalópole.
Decorados primeiro com nomes artísticos de seus perpetradores, escritos de maneira apressada e com caracteres estilizados, de maneira muito próxima à estética do pixo, logo depois os ícones do graffiti evoluíram para o colorido exuberante de obras mais complexas, que às vezes beiram a arte abstrata ou expressionista, e que por vezes parecem pequenos tratados de sociologia sintetizados em uma imagem.
O filme mostra inclusive que, já em 1983, o mundo artístico mais “sério” já começava a ser sacudido pela ascensão do graffiti, que dos trens e dos muros começou a penetrar nas galerias, começando a ser comercializado e difundido entre um público mais yuppie e mais hipster. Este trânsito do graffiti, da clandestinidade ao canvas, da subversão à respeitabilidade, do submundo às torres de marfim da alta cultura, dos guetos aos museus, parece ser um processo infindável.
As forças caretas e conservadoras sempre insistirão que “isso não é arte”, que os que seguram o spray são criminosos e violadores da propriedade alheia, que estão apenas sujando e poluindo a cidade. Mas os cães ladram e a caravana não pára: apesar disso tudo, a subcultura hip hop não cessará de crescer e se fortalecer, rompendo todas as cercas de arame farpado inventadas para contê-la.
Apesar de seus mais de 30 anos, esta produção documental conserva seu vigor e atualidade pois continuamos habitando no cerne das mesmas “Style Wars”. Vide o caso João Dória, o prefake playboy de São Paulo, cujo mandato está sendo marcado, dentre outras medidas grotescas como a “ração humana”, pelo truculento avanço de um higienismo anti-graffiti que vem procurando deletar da maior megalópole latino-americana todo o esplendor de seu colorido grafitado.
Contra a Cidade Cinza das forças sociais Dorianas, é preciso pôr ainda mais combustível na resistência dos hiphoppers que não querem permitir que empresários palacianos e forças do Estado policial-penal calem nossa voz e acinzentem nossos muros.
As guerrilhas culturais persistem, e este documentário conserva seu potencial explosivo e sua contextualização pertinente para encararmos as polêmicas culturais e guerras-do-estilo que fazem da Cultura algo tão excitante e imprevisível. Pois a Cultura jamais será monolito – sempre fluirá, dinâmica, através dos conflitos.
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Por Eduardo Carli de Moraes para A Casa de Vidro –www.acasadevidro.com.
Baixar o filme no fórum Making Off:https://makingoff.org/forum/index.php?showtopic=16022&hl=%22style+wars%22
Assista no YouTube:
[youtube id=https://youtu.be/0EW22LzSaJA]
Acesse ficha no IMDb:http://www.imdb.com/title/tt0177262/.
Publicado em: 23/03/18
De autoria: casadevidro247
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